O Galo, depois de algum tempo adormecido, vinha bem no Campeonato Brasileiro. Uma campanha quase impecável em casa, algumas boas vitórias fora e a liderança absoluta no fim do primeiro turno.
Diante disso, alguns fatores extra-campo começaram a aparecer: demoram a liberar o Ronaldinho pra jogar, adiam um jogo com o Flamengo, Bernard e o próprio R49 são suspensos de forma estranha, além de uma gigantesca quantidade de erros pró Fluminense.
A torcida do Galo (que diga-se de passagem possui a maior taxa de ocupação de estádio nesse campeonato) resolve, para demonstrar sua indignação resolve protestar contra a CBF e assim faz, como demonstra as imagens abaixo, de forma pacífica, irreverente e inteligente.
Tá certo que ele é um palhaço, mas essa aí foi em protesto |
Essa também não foi muita novidade |
E aqui, o mosaico que encantou o mundo |
Depois do protesto, o Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) decide aplicar uma penalidade ao Clube, pelo fato de que a sua torcida ofendeu uma instituição (a CBF e o próprio Tribunal).
Pois bem, por ser atleticano, fiquei indignado demais com a decisão. Se bem que R$ 10.000,00 (dez mil reais), nessa altura do campeonato, não está fazendo muita falta pro Galo não. A minha indignação maior, porém, foi como cidadão e professor de Direito Constitucional.
Quantas pessoas morreram no Brasil, para que nós brasileiros pudéssemos ter assegurado o direito à livre manifestação do pensamento? Qual o peso que esse direito (ou garantia) tem para a formação do nosso país? Como imaginar que, em um Estado Democrático de Direito, uma decisão pudesse ser tão arbitrária assim?
Diante de todas essas questões, e com uma revolta maior do que eu posso aguentar (fiquei uma noite sem dormir), resolvi, juntamente com o Gabriel Cunha Pereira e o Silvio Teixeira, dois amigos (atleticanos e advogados), recorrer ao Poder Judiciário. A tese? Simplesmente a defesa da Constituição! Queríamos assegurar o direito da torcida protestar, sem que o Clube que tanto amamos seja punido por isso.
A questão de mérito é simples. Muito simples por sinal. Mas o direito não é tão simples assim. Sabemos que, às vezes, questões processuais podem complicar uma causa nobre como essa. Decidimos agir assim mesmo. Passamos o dia pensando qual a melhor estratégia e qual instrumento processual seria cabível.
Decidimos impetrar um Mandado de Segurança preventivo. Não sabemos se teremos êxito! Provavelmente, não. Mas não podíamos nos calar, diante de uma agressão tão grave ao Estado Democrático de Direito.
Olha a gente no Fórum aguardando a distribuição |
Pra quem quiser ver nossos argumentos, a peça segue abaixo.
RAPHAEL
MOREIRA MAIA, brasileiro, casado, advogado, Carteira de Identidade n
MG __________, inscrito no CPF sob o número _____________, GABRIEL SENRA DA CUNHA PEREIRA,
brasileiro, solteiro, advogado, Carteira de Identidade n° MG-__________,
inscrito no CPF sob o número _____________, e SILVIO TEIXEIRA DA COSTA FILHO, brasileiro, casado, advogado,
Carteira de Identidade n° MG-____________, inscrito no CPF sob o número
______________ e na OAB/MG sob o número 114.721, vêm à presença de Vossa
Excelência, advogando em causa própria, com respaldo no art. 5º, LVIX[1],
da Constituição Federal e na Lei 12.016/2009, impetrar o presente
MANDADO DE SEGURANÇA PREVENTIVO COM PEDIDO DE LIMINAR
Contra ato do PRESIDENTE DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
DESPORTIVA, com endereço na Rua da Ajuda, n° 35, 15° andar, Centro, Rio de
Janeiro/RJ, o qual exerce suas atribuições na CONFEDERAÇÃO BRASILEIRA DE FUTEBOL, entidade nacional de administração
do desporto (Lei Pelé), com endereço na Rua Victor Civita, 66 - B1 - Edifício 5
(5º andar) - Condomínio Rio Office Park Barra da Tijuca, CEP 22.775-044, o que
fazem pelos seguintes fundamentos de fato e de direito a seguir deduzidos.
DOS FATOS
Os impetrantes são
torcedores do Clube Atlético Mineiro e, durante partida do referido clube
contra o Fluminense, realizada no dia 21 de outubro de 2012 em Belo Horizonte,
participaram de uma manifestação pacífica contra o que consideraram desmandos
do Confederação Brasileira de Futebol (CBF). Tal manifestação consistiu na
realização de um “mosaico” da seguinte forma: CBF, em posição invertida, nas
cores do Fluminense, verde, vermelho e branco (foto anexa).
Diante da manifestação
pacífica da torcida, foi apresentada pela Procuradoria do STJD denúncia contra
o Clube Atlético Mineiro, por ofensa ao art. 191 do Código Brasileiro de
Justiça Desportiva. Com base na denúncia, o Pleno do STJD entendeu por aplicar como penalidade, multa de R$ 10.000,00 (dez
mil reais) ao Clube Atlético Mineiro.
Durante a sessão de
julgamento do processo n° 204/2012, o Procurador do STJD Paulo Schmitt afirmou que
houve sim ofensa no estádio com a exibição das faixas e mosaico por parte da
torcida do clube mineiro. Afirmou ainda que "Não acho certo que um clube de futebol permita que se diga que o
campeonato e o tribunal são uma vergonha. É uma honra para mim atuar no
Tribunal" (sic).
Com tal medida, o STJD
pretende impedir que os torcedores se manifestem dentro do estádio de futebol,
violando assim, o direito líquido e certo assegurado pela Constituição da
República Federativa do Brasil, em seu art. 5°, IV[2].
O que motiva os impetrantes
à medida tão extremada não vem a ser apenas uma possibilidade de lesão ao seu
direito constitucional de livremente manifestar seu pensamento, mas, sobretudo,
o precedente que pode ser aberto, caso nenhuma atitude seja tomada diante de
tamanha arbitrariedade.
DA LEGITIMIDADE PASSIVA E DO CABIMENTO DO MANDAMUS
A Lei n° 12.016;2009, que
disciplina o Mandado de Segurança individual e coletivo, estabelece, logo em
seu art. 1°, que:
Art. 1o Conceder-se-á mandado de
segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus
ou habeas data, sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, qualquer pessoa
física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte
de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que
exerça.
§ 1o Equiparam-se às autoridades,
para os efeitos desta Lei, os representantes ou órgãos de partidos políticos e
os administradores de entidades autárquicas, bem como os dirigentes de
pessoas jurídicas ou as pessoas naturais no exercício de atribuições do poder
público, somente no que disser respeito a essas atribuições.
(grifos nossos)
O Superior Tribunal de
Justiça Desportiva (STJD), entidade autônoma da Justiça Desportiva, embora não
pertença formalmente à Administração Pública, exerce, sem sombras de dúvidas,
atribuições do poder público. Tal fato é claramente comprovado pela interpretação
do Texto Constirucional e de outras normas presentes no ordenamento jurídico
brasileiro.
Com efeito, no que diz
respeito à Justiça Desportiva, estabelece a Constituição Federal que:
Art. 217 – [...[
§ 1º - O Poder Judiciário só admitirá ações relativas à disciplina e às
competições desportivas após esgotarem-se as instâncias da
justiça desportiva, reguladas em lei. (grifos nossos)
Ora, uma vez que a instância
da justiça desportiva máxima, no caso, é o STJD, claro está que esta corte está
exercendo atribuições do poder público.
No mesmo sentido, estabelece
o art. 52 da Lei n° 9.615/98, que institui normas gerais sobre desporto[3]
que:
Art. 52. Os órgãos integrantes da Justiça Desportiva são autônomos e
independentes das entidades de administração do desporto de cada sistema,
compondo-se do Superior Tribunal de Justiça Desportiva, funcionando junto às
entidades nacionais de administração do desporto; dos Tribunais de Justiça
Desportiva, funcionando junto às entidades regionais da administração do desporto,
e das Comissões Disciplinares, com competência para processar e julgar as
questões previstas nos Códigos de Justiça Desportiva, sempre assegurados a
ampla defesa e o contraditório. (Redação dada pela Lei nº 9.981, de 2000)
§ 1o Sem prejuízo do disposto neste artigo, as decisões finais dos
Tribunais de Justiça Desportiva são impugnáveis nos termos gerais do direito,
respeitados os pressupostos processuais estabelecidos nos §§ 1º e 2º do art.
217 da Constituição Federal.
Por fim, o art. 54 da Lei
Pelé estabelece o seguinte:
Art. 54. O membro do Tribunal de Justiça Desportiva exerce função
considerada de relevante interesse público e, sendo servidor público, terá
abonadas suas faltas, computando-se como de efetivo exercício a participação
nas respectivas sessões.
Por todo o exposto, provado
está que o Superior Tribual de Justiça Desportiva é parte legitima para figurar
no pólo passivo do Mandado de Segurança.
DA LEGITIMIDADE ATIVA DOS IMPETRANTES
Apesar de a penalidade ter
sido aplicada contra o Clube Atlético Mineiro, os ora impetrantes são partes
legítimas para ajuizarem o presente mandamus.
Primeiramente, porque se trata de mandado de segurança preventivo, em que o pedido é para que a autoridade impetrada
abstenha-se de aplicar penalidades em razão da livre manifestação do
pensamento. Ademais, em última análise, ao aplicar a penalidade ao Clube, a
Justiça Desportiva pretende alcançar, por via oblíqua, o torcedor, inibindo-o e
desestimulando-o a agir em desconformidade com suas determinações. Citem-se,
como exemplo, as penalidades de “perda de mando de campo” aplicadas aos clubes,
cujos torcedores arremessam objetos no gramado de jogo. O objetivo da
penalidade é justamente criar o receio, nos torcedores, de prejudicar o próprio
clube e, assim, impedir a prática em tese reprovável.
Logo, o ato praticado pela
autoridade coatora alcança a esfera jurídica dos impetrantes, que não poderão
manifestar livremente seus pensamentos, sob pena de prejudicarem o Clube para o
qual torcem. Dessa forma, não restam dúvidas de que eles têm legitimidade ativa
para pleitear a abstenção, pela Justiça Desportiva, de punir o Clube Atlético
Mineiro em razão da livre manifestação do pensamento dentro dos estádios.
DO DIREITO
A livre expressão do pensamento
A Constituição Federal
assegura, dentre os direitos e garantias fundamentais, que é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato (CF,
art. 5°, IV). Trata-se, como se vê, de uma regra ampla, e não dirigida a
destinatários específicos. Todos, portanto, em um Estado Democrático de
Direito, podem manifestar livremente os seus pensamentos.
Nesse sentido, afirma o
Professor Alexandre de Moraes que [...] a
proteção constitucional engloba não só o direito de expressar-se, oralmente, ou
por escrito, mas também o direito de ouvir, assistir e ler[4].
O mestre José Afonso da Silva afirma, por sua vez, que:
A liberdade de pensamento é o direito de exprimir, por qualquer forma, o
que pense em ciência, religião, arte, ou o que for. Trata-se de liberdade de
conteúdo intelectual e supõe o contato do indivíduo com seus semelhantes, pela
qual o homem tenda, por exemplo, a participar a outros suas crenças, seus
conhecimentos, sua concepção do mundo, suas opiniões políticas ou religiosas,
seus trabalhos científicos[5].
Os estádios de futebol
foram, durante os difíceis anos da ditadura, local onde o povo brasileiro pode
manifestar a sua insatisfação com o regime. Não se pode tolerar, em hipótese
alguma, que tentem impedir os torcedores de, durante uma partida de futebol,
expressar os seus sentimentos, sejam eles de amor ou indignação.
Ademais, no caso em tela,
tanto o mosaico, quanto as faixas, ou os gritos da torcida foram competamente
pacíficos. Não houve, em momento algum, nada que pudesse incitar a violência
contra pessoas ou instituições.
Tanto é verdade que, em
momento algum, a Confederação
O ato de STJD, se prospera,
pode abrir nos eventos esportivos um precedente pergosíssimo que tende, aos
poucos, eliminar as garantias do Estado Democrático de Direito que foram
duramente conquistadas pelo povo brasileiro.
Não se trata, frisa-se, de
nenhuma manifestação de apologia à violência! Essas, sim, deveriam ser
duramente perseguidas pelas autoridades e, como vemos sempre nos noticiários,
não são.
Por tudo isso, deve ser
assegurado a todos o direito de livremente manifestar o seu pensamento, seja
nas ruas, na internet, ou em um estádio de futebol.
É inadmissível que um órgão
que desenvolve uma função pública faça qualquer ameaça a direito do torcedor
manifestar seu pensamento, colocando como punição um prejuízo a um clube, que
representa a paixão de milhões de brasileiros
DOS PRESSUPOSTOS DA MEDIDA LIMINAR
A medida pleiteada comporta
prestação preliminar, o que se requer desde já, pois que presentes todos os
pressupostos necessários para seu deferimento.
A plausibilidade jurídica da
concessão da liminar encontra-se devidamente caracterizada na presente. O fumus boni iuris foi devidamente demonstrado
pelos elementos fáticos e jurídicos trazidos à colação e a incidência do periculum in mora repousa, ainda, no fato
de que, no próximo domingo, já haverá outro jogo no Estádio Independência e os
impetrantes precisam ter a certeza que não prejudicarão o clube ao entoar seus
cantos, sejam eles de amor ou de protesto. tendo-se em vista o seu direito de
manifestar livremente o pensamento, direito constitucionalmente garantido.
DO
PEDIDO
Por todo o exposto, requerem:
1. A concessão de medida
LIMINAR inaudita altera parts,
determinando que o Superior Tribunal de Justiça Desportiva se abstenha de
aplicar qualquer punição ao Clube Atlético Mineiro, em razão da manifestação
pacífica de seus torcdedores;
2. Notificação da autoridade
coatora entregando-lhe a Segunda via com cópia de documentos, a fim de que, no
prazo de 10 (dez) dias, preste as informações necessárias.
3. A concessão da Justiça
Gratuita, por serem pobres no sentido legal.
4. Seja oficiada a
CONFEDERAÇÃO BRASILEIRA DE FUTEBOL, no endereço constante nesta exordial para,
querendo, ingressar no feito.
5. Ao final, seja concedida
a segurança, para conceder-se de forma definitiva os pedidos, determinando-se
ao Superior Tribunal de Justiça Desportiva que se abstenha de aplicar qualquer
punição ao Clube Atlético Mineiro, em razão da manifestação pacífica de seus
torcedores.
6. A intimação do i.
representante do Ministério Público.
7. A juntada da prova
pré-constituída em anexo.
Dá-se à causa o valor de R$
100,00 (cem reais)
Termos em que
Pede deferimento.
Belo Horizonte,
30 de novembro de 2012.
Raphael Moreira
Maia
OAB/MG __________
Gabriel Senra da
Cunha Pereira
OAB/MG ____________
Silvio Teixeira
da Costa Filho
OAB/MG ____________
LXIX - conceder-se-á Mandado de Segurança para
proteger direito líqüido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas
data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade
pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder
Público
IV -
é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
[3] A Lei 9.615/98 é conhecida
popularmente como Lei Pelé
[4] MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais: Teoria
Geral, Comentários aos Arts. 1º a 5º da Constituição da República Federativa do
Brasil, Doutrina e Jurisprudência. São Paulo: Atlas, 1997.
[5] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo.
São Paulo: Malheiros, 1999. P. 244.